II. Jesus Cristo Cumprimento do Desígnio de Amor do Pai

(Continuação do Capítulo I: O Desígnio de Amor de Deus a Toda a Humanidade)

a) Em Jesus Cristo cumpre-se o evento decisivo da história de Deus com os homens

28 A benevolência e a misericórdia, que inspiram o agir de Deus e oferecem a sua chave de interpretação, tornam-se tão próximas do homem a ponto de assumir os traços do homem Jesus, o Verbo feito carne. Na narração de Lucas, Jesus descreve o Seu ministério messiânico com as palavras de Isaías que evocam o significado profético do jubileu: «O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu; e enviou-me para anunciar a boa nova aos pobres, para sarar os contritos de coração, para anunciar aos cativos a redenção, aos cegos a restauração da vista, para pôr em liberdade os cativos, para publicar o ano da graça do Senhor» (4, 18-19; cf. Is 61, 1-2). Jesus se coloca na linha do cumprimento, não só porque cumpre o que tinha sido prometido e que, portanto, era esperado por Israel, mas também no sentido mais profundo de que n’Ele se cumpre o evento definitivo da história de Deus com os homens. Com efeito, Ele proclama: «Aquele que me viu, viu também o Pai » (Jo 14, 9). Jesus, em outras palavras, manifesta de modo tangível e definitivo quem é Deus e como Ele se comporta com os homens.

29 O amor que anima o ministério de Jesus entre os homens é aquele mesmo experimentado pelo Filho na união íntima com o Pai. O Novo Testamento nos consente penetrar a experiência que Jesus mesmo vive e comunica do amor de Deus Seu Pai — Abbá — e, portanto, no mesmo coração da vida divina. Jesus anuncia a misericórdia libertadora de Deus para com aqueles que encontra no Seu caminho, a começar pelos pobres, pelos marginalizados, pelos pecadores, e convida à Sua seqüela, pois Ele por primeiro, e de modo de todo singular, obedece ao desígnio do amor de Deus qual Seu enviado no mundo.

A consciência que Jesus tem de ser o Filho expressa precisamente esta experiência originária. O Filho recebeu tudo, e gratuitamente, do Pai: «Tudo o que o Pai possui é meu» (Jo 16, 15). Ele, por Sua vez, tem a missão de tornar todos os homens partícipes desse dom e dessa relação filial: «Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que o que faz o seu senhor. Mas chamei-vos amigos, porque vos dei a conhecer tudo quanto ouvi de meu Pai» (Jo 15, 15).

Reconhecer o amor do Pai significa para Jesus inspirar a Sua ação na mesma gratuidade e misericórdia de Deus, geradoras de vida nova, e tornar-se assim, com a Sua própria existência, exemplo e modelo para os Seus discípulos. Estes são chamados a viver como Ele e, depois da Sua Páscoa de morte e ressurreição, também n’Ele e d’Ele, graças ao dom sobreabundante do Espírito Santo, o Consolador que interioriza nos corações o estilo de vida de Cristo mesmo.

b) A revelação do Amor Trinitário

30 O testemunho do Novo Testamento, com o deslumbramento sempre novo de quem foi fulgurado pelo amor de Deus (cf. Rm 8, 26), colhe na luz da plena revelação do Amor trinitário proporcionada pela Páscoa de Jesus Cristo, o significado último da Encarnação do Filho de Deus e da Sua missão entre os homens. Escreve São Paulo: «Se Deus é por nós, quem será contra nós? Aquele que não poupou o seu próprio Filho, mas que por todos nós o entregou, como não nos dará também, com ele todas as coisas?» (Rm 8, 31-32). Semelhante linguagem usa-a também São João: «Nisto consiste o amor: não em termos nós amado a Deus, mas em ter-nos Ele amado e enviado o seu Filho para expiar os nossos pecados» (1 Jo 4, 10).

31 O Rosto de Deus, progressivamente revelado na história da salvação, resplandece plenamente no Rosto de Jesus Cristo Crucifixo e Ressurrecto. Deus é Trindade: Pai, Filho, Espírito Santo, realmente distintos e realmente um, porque comunhão infinita de amor. O amor gratuito de Deus pela humanidade se revela, antes de tudo, como o amor fontal do Pai, de quem tudo provém; como comunicação gratuita que o Filho faz d’Ele, entregando-se ao Pai e doando-se aos homens; como fecundidade sempre nova do amor divino que o Espírito Santo derrama no coração dos homens (cf. Rm 5, 5).

Com palavras e obras, e de modo pleno e definitivo com a Sua morte e ressurreição [30] Jesus revela à humanidade que Deus é Pai e que todos somos chamados por graça a ser filhos d’Ele no Espírito (cf. Rm 8, 15; Gal 4, 6), e por isso irmãos e irmãs entre nós. É por esta razão que a Igreja crê firmemente que « a chave, o centro e o fim de toda a história humana se encontram no seu Senhor e Mestre » [31] .

32 Contemplando a inefável gratuidade e sobreabundância do dom divino do Filho por parte do Pai, que Jesus ensinou e testemunhou doando a Sua vida por nós, o Apóstolo predileto do Senhor daí aufere o profundo sentido e a mais lógica conseqüência: «Caríssimos, se Deus assim nos amou, também nós devemos amar-nos uns aos outros. Ninguém jamais viu a Deus. Se nos amarmos mutuamente, Deus permanece em nós e o seu amor em nós é perfeito» (1 Jo 4, 11-12). A reciprocidade do amor é exigida pelo mandamento que Jesus mesmo define novo e Seu: «como eu vos tenho amado, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros» (Jo 13, 34). O mandamento do amor recíproco traça a via para viver em Cristo a vida trinitária na Igreja, Corpo de Cristo, e transformar com Ele a história até ao seu pleno cumprimento na Jerusalém Celeste.

33 O mandamento do amor recíproco, que constitui a lei de vida do povo de Deus [32] , deve inspirar, purificar e elevar todas as relações humanas na vida social e política: «Humanidade significa chamada à comunhão interpessoal» [33] , porque a imagem e semelhança do Deus trinitário são a raiz de «todo o “ethos” humano … cujo vértice é o mandamento do amor» [34] O fenômeno cultural, social, econômico e político hodierno da interdependência, que intensifica e torna particularmente evidentes os vínculos que unem a família humana, ressalta uma vez mais, à luz da Revelação, «um novo modelo de unidade do gênero humano, no qual, em última instância, a solidariedade se deve inspirar. Este supremo modelo de unidade, reflexo da vida íntima de Deus, uno em três Pessoas, é o que nós cristãos designamos com a palavra “comunhão”» [35] .

https://www.vatican.va/roman_curia/pontifical_councils/justpeace/documents/rc_pc_justpeace_doc_20060526_compendio-dott-soc_po.html

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