CAPÍTULO IV
OS PRINCÍPIOS DA DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA
160 Os princípios permanentes da doutrina social da Igreja [341] constituem os verdadeiros e próprios gonzos do ensinamento social católico: trata-se do princípio da dignidade da pessoa humana ― já tratado no capítulo anterior ― no qual todos os demais princípios ou conteúdos da doutrina social da Igreja têm fundamento [342] , do bem comum, da subsidiariedade e da solidariedade. Estes princípios, expressões da verdade inteira sobre o homem conhecida através da razão e da fé, promanam «do encontro da mensagem evangélica e de suas exigências, resumidas no mandamento supremo do amor com os problemas que emanam da vida da sociedade» [343] . A Igreja, no curso da história e à luz do Espírito, refletindo sapientemente no seio da própria tradição de fé, pôde dar-lhes fundamentação e configuração cada vez mais acuradas, individualizando-os progressivamente no esforço de responder com coerência às exigências dos tempos e aos contínuos progressos da vida social.
161 Estes princípios têm um caráter geral e fundamental, pois que se referem à realidade social no seu conjunto: das relações interpessoais, caracterizadas pela proximidade e por serem imediatas, às mediadas pela política, pela economia e pelo direito; das relações entre indivíduos ou grupos às relações entre os povos e as nações. Pela sua permanência no tempo e universalidade de significado, a Igreja os indica como primeiro e fundamental parâmetro de referência para a interpretação e o exame dos fenômenos sociais, necessários porque deles se podem apreender os critérios de discernimento e de orientação do agir social, em todos os âmbitos.
162 Os princípios da doutrina social devem ser apreciados na sua unidade, conexão e articulação. Uma tal exigência tem suas raízes no significado que a Igreja mesma atribui à própria doutrina social; «corpus» doutrinal unitário que interpreta de modo orgânico as realidade sociais [344] . A atenção a cada princípio na sua especificidade não deve levar ao seu emprego parcial e errado, como acontece quando evocado de modo desarticulado e desconexo em relação aos demais. O aprofundamento teórico e a própria aplicação, ainda que somente de um dos princípios sociais, fazem vir à tona com clareza a reciprocidade, a complementaridade, os nexos que os estruturam. Estes eixos fundamentais da doutrina da Igreja representam, além disso, bem mais do que um patrimônio permanente de reflexão que, diga-se a propósito, é parte essencial da mensagem cristã, pois indicam todos os caminhos possíveis para edificar uma vida social verdadeira, boa, autenticamente renovada [345] .
163 Os princípios da vida social, no seu conjunto, constituem aquela primeira articulação da verdade da sociedade, pela qual cada consciência é interpelada e convidada a interagir com todas as demais, na liberdade, em plena co-responsabilidade com todos e em relação a todos. À questão da verdade e do sentido do viver social, com efeito, o homem não se pode furtar, pois a sociedade não é uma realidade estranha ao seu mesmo existir.
Estes princípios têm um significado profundamente moral porque remetem aos fundamentos últimos e ordenadores da vida social. Para compreendê-los plenamente, é preciso agir na sua direção, na via do desenvolvimento por eles indicado para uma vida digna do homem. A exigência moral ínsita nos grandes princípios sociais concerne quer ao agir pessoal dos indivíduos, enquanto primeiros e insubstituíveis sujeitos da vida social em todos os níveis, quer, ao mesmo tempo, às instituições, representadas por leis, normas de consuetudinárias e estruturas civis, dada a sua capacidade de influenciar e condicionar as opções de muitos e por muito tempo. Os princípios recordam, com efeito, que a sociedade historicamente existente promana do entrelace das liberdades de todas as pessoas que nela interagem, contribuindo, mediante as suas opções, para edificá-la ou para empobrecê-la.